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José Carlos Tinoco
 
“É pena que ainda não tenham surgido os verdadeiros críticos dos críticos”

José Carlos Tinoco é uma figura ímpar. Conhecido por muitos como proprietário de dois espaços singulares da noite portuense, o Labirintho e o Triplex, tem dividido a sua actividade profissional por diversas áreas artísticas, onde se incluem a arquitectura e o design, entre outras. Na rádio teve um programa de culto numa rádio de culto: “Auto-retrato sobre transístor molhado” fechava o fim-de-semana da saudosa XFM e era um espaço onde a sua poderosa voz era emoldurada por uma selecção musical única.

Em Outubro apresenta-se ao grande público um novo projecto, nascido da colaboração de Tinoco com o brilhante pianista Juca Rocha: após alguns espectáculos pontuais A Musa ao Espelho deu-se a conhecer em Junho na Casa da Música, onde foi gravado o DVD que chega às lojas por estes dias, acompanhado por um livro que reúne os poemas (quase todos inéditos) que foram musicados por este colectivo onde se incluem ainda Ianina Khmelik no violino, Vanessa Pires no violoncelo e Fátima Santos no acordeão.

Nesta conversa rodeada por livros ficou ainda a notícia em primeira-mão: em breve o poeta António Maria Lisboa terá direito a um documentário cinematográfico sobre a sua vida e obra.

 

FL - Começamos rodeados de livros que são uma das tuas maiores paixões, entre várias…

JCT – Ainda temos aqui umas brechas…

FL – Os livros são aquilo que te acompanha de forma mais permanente, ao longo da tua vida, em termos artísticos?

JCT – Sim, sem sombra de dúvidas. Quando viajo posso levar só (e já tem acontecido isso) duas t-shirts, dois pares de calças, duas mudas de roupa interior mas tenho que levar sempre livros comigo e trago sempre mais do que aqueles que levo, porque às vezes vou para sítios em que encontro pessoas e depois acabo por oferecer um ou outro dos livros que levo. Agora tenho mais cuidado com isso, portanto levo sempre livros que acho que as pessoas não vão querer, por uma questão de precaução (risos). Depois acabo por comprar sempre livros, prefiro trazer duas malas de livros do que trazer duas malas de roupa suja.

FL – Se tivesses que te definir, em termos artísticos, definir-te-ias mais ligado às letras ou com qual das áreas artísticas é que te relacionas mais? Se tivesses que dizer apenas uma…

JCT – Estou ligado… ao futebol (risos). Sou dirigente importante de um clube desportivo… Não, estou a brincar contigo. Ligo muito pouco ao futebol, felizmente. Acho que o tempo que poderia passar a discutir futebol passo-o em tertúlias ou a ler. De facto, desde muito cedo, que tinha descoberto (se calhar) três vocações, três dons especiais em mim, se assim poderei chamar-lhes. Um deles era a área das letras, o outro a arquitectura e ainda a medicina.

FL – A medicina?!

JCT – A medicina. Nós temos, por exemplo, um grande vulto das nossas letras que foi simultaneamente um grande médico, aliás eu estou a lembrar-me até de dois nomes: um foi o Miguel Torga e o outro o Abel Salazar. Uma actividade profissional não é absolutamente nada incompatível com a outra apesar de parecerem diametralmente opostas, até acho que se completam magnificamente.

A experiência de um médico - e o Torga nisso foi uma pessoa exemplar, porque provavelmente é uma das escritas na área da literatura portuguesa e, porque não, mundial, onde o elemento humano está mais presente e de uma forma que a mim me agrada sobremaneira, porque ele fazia-o nunca esquecendo esse lado telúrico, ou seja, as nossas raízes que estão permanentemente embrenhadas na própria terra de onde vimos e para onde vamos. Um médico é um cidadão como outro qualquer, pode ser um profissional como outro qualquer, mas, de facto lida com o elemento humano que é fundamental na sua compreensão, na sua dimensão total, física e também psicológica.

FL – Tens áreas pelas quais és mais conhecido, que coisas tens ainda para dar a conhecer para além de tudo aquilo que vai sendo mostrado em termos de arquitectura, em termos de design, como músico, dono de locais muito interessantes da noite portuense, tens um projecto chamado A Musa ao Espelho… Há mais alguma coisa guardada?

JCT – Não, acho que cheguei a um patamar da minha vida e não me apetece sair mais dele, ou seja, esta minha ligação profunda à poesia, aos autores, à música que me acompanha desde que nasci, é de um projecto de grande osmose entre as duas áreas e que eu sinto que posso criar ou pelo menos transmitir a informação que entretanto vou colhendo com alguma qualidade.

Por outro lado é de facto uma paixão imensa que também já me acompanha há muitos anos mas que agora se aprofundou. Muito provavelmente será algo que me acompanhará até ao fim dos meus dias e não me vejo neste momento a fazer agora, nem num futuro próximo algo de muito diferente daquilo que estou neste momento a fazer que é esse lado da performance e sobretudo com estes músicos soberbos que me acompanham.

Há um outro projecto que provavelmente irá avançar, se houver condições para isso, e eu tem a ver também com a poesia, com a estrutura moral e artística, obviamente, de um grande vulto da nossa historia literária e poética, precocemente desaparecido e o próprio cinema, que é uma das áreas que mais me empolga e que eu gostaria de tentar. Não serei eu, obviamente, o realizador desse documentário, mas há um grande amigo meu que, de facto se revelou uma pessoa com uma estética muito rigorosa e muito especial e sobretudo muito equivalente à minha em termos cinematográficos e que está completamente deslumbrado com esta ideia e que eu te vou transmitir em primeira mão. Nós estamos com imensa vontade de avançar com um projecto que tem a ver com a vida e a obra do António Maria Lisboa.

FL – E merecido, de facto…

JCT – Tem sido um dos nomes do Surrealismo e nisso eu concordo inteiramente com o André Breton e com o Cesariny, quando eles dizem que o Surrealismo não foi uma corrente que surgiu com o Manifesto Surrealista de 1924 e que entretanto se foi apagando duas ou três décadas depois (em Portugal obviamente mais tarde) mas o surrealismo existiu e existirá sempre.

Enquanto os homens sonharem, enquanto os homens reflectirem, enquanto houver uma outra dimensão para lá daquela que é imediatamente compreensível e inteligível, evidentemente que o Surrealismo terá sempre razão de ser e de existir. Mas os homens entretanto desaparecem e só se eternizam através da sua obra, é uma forma, de facto, de conquistar a eternidade e o António Maria Lisboa sem dúvida nenhuma que é eterno.

É urgente que se tome alguma iniciativa para divulgar o grande nome que ele foi em termos artísticos e não só e sobretudo porque nós ainda temos vivos o Cruzeiro Seixas e o próprio Cesariny que podem prestar depoimentos absolutamente insuperáveis acerca do António Maria Lisboa. Estamos a reflectir sobre isso, estamos a tentar encontrar uma ossatura, uma estrutura construtiva e que muito provavelmente iremos mesmo fazer avançar.

FL – António Maria Lisboa que é o único autor que por motivos óbvios não pôde escrever um original mas que está incluído na Musa.

JCT – Está incluído nesta antologia de poesia quase inédita, nós vamos ter mais alguns poemas (muito poucos) que não são inéditos, é o caso de um poema da Filipa Leal, por exemplo, que é uma jovem poeta aqui do Porto e absolutamente extraordinária com uma carreira fulgurante, estonteante, à frente dela, sem sombra de dúvidas, mas o António Maria Lisboa é de facto o único que já não vive, há cinquenta anos, mas que tem uma escrita absolutamente ímpar, muito peculiar e que é urgentíssimo divulgar.

FL – Para quem ainda não ouviu falar d’A Musa ao Espelho como é que nasceu a ideia e como é que ela se explica a quem queira conhecer?

JCTA Musa ao Espelho, se eu reduzir o tempo de ensaios e os espectáculos que nós fizemos até hoje tem um período de duração que não ultrapassará os seis meses, mas tudo começou há mais de um ano e meio quando eu já vinha fazendo umas coisas com o Juca Rocha, que é o pianista, fazíamos apenas os dois e entretanto eu sabia da existência desta violinista russa que vive entre nós já há seis anos, tinha conhecido uma acordeonista num espectáculo do Campo Alegre, com a Ana Deus, gostei imenso dela e como eu gosto imenso de constituir equipas de trabalho (sempre o fiz ao longo da minha vida com um certo sucesso), num determinado momento eu disse ao Juca: “tocas muito bem, eu se calhar até nem estou tão mal como isso a fazer o que faço, mas eu penso que podemos enriquecer esta nossa sonoridade com mais alguns instrumentos”.

Ele concordou inteiramente e eu convidei a violinista e a acordeonista para se juntarem a nós. Estivemos em quarteto durante dois meses e meio e senti mais uma vez a necessidade da inclusão de um instrumento de cordas que tivesse um timbre mais grave. Para incluir um contrabaixo de ar, por exemplo, eu teria de trazer um violoncelo para preencher aquela diferença de timbres entre o violino e o contrabaixo. Pareceu-me prematuro incluir o contrabaixo e preferi convidar uma violoncelista, que é a Vanessa, e que está connosco há um ano e meio e que é uma excelente violoncelista e trouxe, de facto, uma riqueza para o seio do grupo que é inquestionável, não podemos prescindir dela.

Assim nasceu A Musa ao Espelho, temos feito alguns espectáculos, gravámos agora o CD e o DVD na Casa da Música que vão sair em Outubro juntamente com um livro que reúne esses vinte e nove poemas, quase todos inéditos e o futuro afigura-se-nos algo risonho porque esta divulgação da poesia da forma como nós a fazemos não tem comparação. Há outros projectos, estou-me a lembrar do WordSong, há muita gente que o faz, tu próprio o fazes e muitíssimo bem, mas, se calhar, com temas compostos por nós e com poesia de primeira água, escrita por diversos autores para já portugueses (excepto uma belga que vive em Portugal há bastantes anos e que escreve em português, portanto a poesia é portuguesa independentemente dos seus autores o serem) esta é uma forma, de facto, muito especial de nos afirmarmos e sobretudo de divulgarmos os grandes autores que temos. Portugal se puder exportar um produto de excelente qualidade de certeza absoluta que a poesia estará em primeiríssimo lugar.

FL – Achas que temos um Portugal preparado para poder aproveitar convenientemente um projecto como o vosso?

JCT – Não, não temos, mas este projecto em França, na Alemanha ou na Itália padeceria também dessas mesmas omissões. A poesia consome-se muito pouco, as pessoas pensam que consomem pouco, não estão é atentas porque há muitas canções e excelentes canções que têm obviamente a poesia como trave principal na sua construção, independentemente da construção musical, instrumental. Mas as pessoas esquecem que por trás de grandes canções portuguesas de todos os tempos estiveram também grandes poetas. Nem é preciso lembrar mais ninguém para além da Amália, por exemplo.

Mas as pessoas estão muito alheadas do que é a poesia, não têm por hábito procurar livros de poemas nas lojas, nas livrarias. Se ouvirem a poesia dita de uma forma mais monocórdica enfastiam-se com facilidade e eu creio que é possível criar uma outra dinâmica (e é isso que eu acredito que estamos a fazer neste momento, a receptividade por parte do público que nos tem acompanhado tem sido excelente) e essa dinâmica é uma ajuda imprescindível para nós que gostamos de subir ao palco e de fazermos aquilo que fazemos para podermos divulgar também os temas que compomos e que achamos que têm qualidade para serem escutados e para darmos a conhecer autores consagrados e os novos autores que não são consagrados porque ainda não tiveram os favores da nossa crítica, que é tão avessa a essas coisas e anda tão divorciada dos projectos mais interessantes.

É pena que ainda não tenham surgido os verdadeiros críticos dos críticos porque eles merecem ser criticados por alguém que seja seu par. É uma forma de afirmarmos a poesia em primeiríssimo lugar, depois virá a música, virá o outro contexto cénico, mas a poesia em primeiro lugar.

FL – Em termos dos espectáculos que vocês têm feito o que é que se tem notado em termos de público? É um público mais jovem ou mais adulto?

JCT – É um público muito heterogéneo. Completamente heterogéneo. Nós estivemos, como tu sabes, na Escola Gonçalves Zarco, em Matosinhos (estivemos ambos), a horas absolutamente impróprias, foi logo de manhã cedo e tivemos uma plateia constituída por alunos adolescentes e extremamente entusiastas. Nos nossos espectáculos temos tido público desde alguns miúdos até gente muito mais velha, gente até bastante idosa e que tem aceite as nossas propostas, muitas vezes os textos são um bocado corrosivos e às vezes há palavras que se empregam que podem ferir ouvidos mais susceptíveis, mas as pessoas recebem isso com muita bonomia, com um sentido atento e chegam a partilhar, nós sentimos que essa partilha é possível.

FL – Em termos mais gerais, o que te parece que causa esta tão enorme aversão (já não é meramente um alheamento, é em muitos casos uma aversão) em relação à Poesia?

JCT – A Poesia é, provavelmente, a única grande arte e eu falo nisto porque, independentemente de conceitos estéticos, há na poesia uma componente que poderá existir em pequenas pinceladas, em pequenas paletas de cor, noutras áreas mas que a poesia contém como essência, que é a descoberta do Homem (falo do homem e da mulher, evidentemente).

Mas é a descoberta do Homem na sua plenitude, naquilo que ele poderá emprestar-nos, naquilo que ele poderá ter construído (e eu quando falo no Homem falo no sentido antropológico do termo e portanto na sua própria ancestralidade) que é esse lado quase cósmico e depois essa ligação cósmica a uma prática terrena de milhares e milhares de anos e essa mesma compreensão dos seus sentimentos, dos seus valores, das suas formas, dos seus ritos, das suas religiões, dos contextos sociais, políticos, económicos em que hoje em dia se insere, nesta sociedade de informação que é vertiginosa e a poesia isso tudo, ou seja, a poesia é simultaneamente impressionista, expressionista, pode funcionar de uma forma quase abstractizante, digamos assim, se nós quisermos descontextualizar o próprio homem do seu universo e a poesia contém isso tudo.

Para além disso ainda pode insinuar-nos linhas cromáticas, poderá insinuar-nos sonoridades, tem a sua musicalidade, tem o seu ritmo. De facto nenhuma outra arte, seja a arquitectura, a pintura, a escultura, a cerâmica, o próprio teatro, o cinema poderá ser tão completa como a Poesia. Daí, provavelmente a grande dificuldade que o homem comum, que o cidadão comum tem em a abarcar e entender, sendo ela tão simples. Prima exactamente pela simplicidade, por isso é que é tão difícil chegar lá.

FL – É uma questão obviamente cara aos dois, a questão da educação e de como ensinar para o gosto pelas artes e concretamente para o gosto em relação à poesia. O que achas que falta nos dias de hoje, nas nossas escolas, para que se consiga mostrar um pouco melhor a poesia e cativar um pouco mais? Fazem falta mais projectos como
A Musa?

JCT – Eu não creio que A Musa, só por si, pudesse… Vamos imaginar que A Musa todos os dias ia a uma escola diferente, eu não creio que A Musa, só por essa razão, pudesse cativar, arrebanhar milhares e milhares de alunos do ensino básico e do ensino em geral, para a área da poesia. Acredito que isso pudesse acontecer com alguns, já tivemos uma ou outra experiência e isso assim nos indicia.

Mas que eu acho é que a poesia tem que entrar de uma forma absolutamente natural, na vida das pessoas, como entra tudo o resto e tu sabes tão bem ou melhor do que eu que é possível fazê-lo através dos jogos. Nós temos agora tantos jogos, como o Sudoku e por aí fora, e nós podemos estabelecer como base alguns desses jogos que conhecemos e que as crianças tanto adoram e transformá-lo num jogo onde a poesia ou as palavras ou a ligação entre as palavras possa de facto existir (e não é necessário que as palavras rimem entre si).

Por outro lado eu penso que, se se conseguir nas aulas de Língua Portuguesa, dar a conhecer às pessoas a Poesia sob aquela forma que elas conhecem, ou antes, elas já tiveram essa informação mas não a retiveram, e é possível fazê-lo dando-lhes a ouvir algumas músicas, mesmo que de um universo mais pop-rock que são aquelas que mais lhes interessam e explicar-lhes que está lá a poesia. Depois também sentir o pulsar das próprias crianças na sua forma de se exprimir através da escrita. Captar esses momentos, entusiasmá-las, empolgarmo-las com a sua própria forma de escrita, mesmo que seja muito incipiente. Se pudermos aliar a outras artes, as artes visuais nomeadamente o desenho e a pintura à própria Poesia e tentar que elas percebam que essa ligação pode ser extremamente estreita e extremamente benéfica, isso pode dar imensos frutos.

Evidentemente, depois, com a prestação de pessoas como tu, com a Musa, com tanta gente que poderá fazê-lo de uma forma inteligente e sensível, tocando os seus corações e penetrando nos seus cérebros e aliciando-as para este tipo de forma de expressar. Não me parece tão difícil assim, assim as pessoas e os responsáveis institucionais tivessem essa clarividência e soubessem como é que hão de lá chegar, mas infelizmente isto talvez tenha de começar por eles.

FL – Eu enganei-te, disse-te que era a última questão, mas não era. E a rádio?

JCT – Eu não digo nunca mais, mas será muito difícil. Não há nenhum projecto radiofónico em Portugal, é capaz de haver duas ou três pequenas bolsas mas que eu não conheço. Creio que em Lisboa, não sei se em Almada ou Cascais haverá uma rádio mais marginal, não sei se é mesmo a Marginal, mas depois do colapso da XFM, do assassinato da XFM por parte da Lusomundo não me consigo rever em nenhum projecto radiofónico em Portugal.

A única rádio que eu escuto diariamente quando viajo é a Antena 2, nem sempre se apresenta no seu melhor (mas também não sou propriamente a pessoa indicada para estar a criticar a Antena 2) não se apresenta no seu melhor para mim, que tenho gostos mais audazes. Gostava de ouvir mais música contemporânea e a Antena 2 passa muito pouca música contemporânea, mas eu nos meus programas de rádio passava muita música contemporânea à mistura com outras coisas muito vanguarda quer na área do rock, quer na área do jazz e gostava de facto que houvesse uma rádio em Portugal que pudesse percorrer o caminho que eu percorri, tenho de me sentir razoavelmente orgulhoso daquilo que fiz, gostei do que fiz, se pudesse voltar à rádio acho que era esse caminho que eu escolheria e como não existe nenhum projecto radiofónica com que eu me identifique, não posso fazer rádio.

 
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Livro

FL – Entre tantos, é certamente difícil escolher, mas nós temos sempre que fazer escolhas e há alturas em que temos uma mala pequenina que só dá para levar um disco e um livro. Que livro e disco é que levavas nessa mala de viagem pequena?

JCT – Para não ferir susceptibilidades, em relação ao livro continuaria a levar um livro de poesia do António Maria Lisboa. Visito, revisito, revejo-me nele tantas vezes e não quero falar dos poetas, sobretudo dos que estão vivos e de boa saúde porque muitos deles merecem-me, de facto, um respeito imenso e não quero citar um único nome. Portanto levaria o António Maria Lisboa comigo, levo muitas vezes, aliás.

 
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Disco

JCT - Em relação ao disco o caso afigura-se-me deveras difícil, porque eu não posso dizer qual seja o disco da minha vida, como não posso dizer qual é o filme da minha vida. Há sempre duzentos ou trezentos discos. Mas, se calhar, era capaz de levar uma coisa de um compositor que viveu entre o século XIX e o século XX e que se chamava Minkus e que escreveu uma coisa muito bonita que por acaso A Musa adaptou e que se chama La Bayadère.

É um poema musical, de uma simplicidade total mas que é extraordinariamente belo e muito sugestivo, porque é muito ilustrativo, de um certo lirismo, obviamente, mas contém uma grande dose de alegria e cria uma sensação de bem estar, de tranquilidade, de serenidade, muito mais do que essas coisas new age que andam por aí espalhadas ao vento e que as pessoas consomem, hoje em dia, pensando que estão a fazer ioga, que estão em grandes poses de meditação e vão ouvindo a new age. Acho que elas poderão procurar La Bayadère e sentirão a diferença.

 
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