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Margarida Pinto Correia
 
“Gosto de livros que me façam chorar”

Multifacetada, versátil, empenhada, contagiante…

São muitos os adjectivos para apresentar Margarida Pinto Correia e nenhum suficiente só por si. A primeira Conversa d’O Contador de Histórias foi com a administradora-executiva da Fundação do Gil mas acabou por abordar essencialmente outros temas. Aqui se fala das paixões teatro e jornalismo, da vontade enorme de descobrir Butão e Vietname, dos benefícios do Chi Kung e da uma fruta muito especial.

Margarida Pinto Correia nasceu a 30 de Abril de 1966. Com uma licenciatura em Relações Internacionais
destacou-se na área do jornalismo, com passagens por vários canais de televisão, rádios e revistas. Faz teatro
com regularidade e a experiência como actriz passa também pelo cinema. Casada com o músico Luís Represas tem também alguns registos em disco, como sejam as participações nos projectos colectivos “Composto de mudança”
e “Lovely baby and mommy”.
 

FL – Afinal de contas, qual é a tua profissão? Quando tens de colocar “profissão” o que é que pões?

MPC – É horrível… Ainda ontem tive isso e acontece-me às vezes em coisas institucionais, em coisas oficiais, nos Correios, no banco, em sítios normais em que as pessoas dizem “E a sua profissão é…” e depois ficam à espera de qualquer coisa… E eu própria também fico “Bom, se calhar, ehh…” fico a pensar alto com as pessoas.

Eu tive durante uma data de anos uma profissão que era fácil e abrangente, que era ser jornalista e isso, ainda por cima, permite quase tudo dentro da ética, quase tudo em termos de comunicação e como eu andei sempre a mexer muito no campo da comunicação não me levantava problemas. Até a Comissão da Carteira de Jornalista achar que eu era um problema e me ter retirado a Carteira. Porque eu para pôr de pé a Fundação e a Casa do Gil tive que falar muitas vezes em público em marcas e envolver-me com as campanhas que tinham a ver com a Fundação, nomeadamente uma campanha do Banif  e uma campanha da Swatch. E como disse repetidamente Swatch e Banif (e como vês gosto de dizer Swatch e Banif) também gosto de dizer Barclays, há assim uns nomes que gosto de dizer… Delta, adoro dizer Delta. ParqueExpo dá-me imenso prazer. E, sendo do Estado, curiosamente IPLB é uma coisa que a mim me diz bastante. O IPLB foi um dos primeiros apoios da Fundação com os contadores de histórias precisamente, que permite que nós façamos o Dia do Gil nos hospitais. Mas isto para te explicar que, quando a Comissão me tirou a carteira “despiu-me” um bocadinho, porque interiormente foi muito esquisito. Mas no fundo eu já nem sequer estava a exercer, fazia umas coisas de vez em quando. Os meus recibos verdes dizem “artista de Tv e Rádio”, que é mais divertido ainda. É uma coisa que soa assim a cassete pirata, e é divertido, ser artista de cassete pirata é uma coisa que não me desagrada. É quase assim como o Barclays e a Delta e essa malta que nos ajuda tanto.

Mas neste momento, como aquilo que eu exerço é a administração da Fundação do Gil, quando oficialmente tenho que pôr profissão ponho “administradora da Fundação do Gil”. Administradora executiva é um nome super pomposo e evito o mais possível de dizê-lo porque acho que administrador tem sempre uma ar muito distante e eu penso muito mais em mim como directora, como coordenadora, como a gaja que empurra a coisa. Se houvesse uma profissão que fosse “empurradora oficial de bolas” era o que eu era, e gosto dessa ideia. Eu sou a “empurradora oficial de bolas” que no recibo verde diz que sou “artista de Tv e Rádio”, que não tem Carteira de Jornalista activa. A Carteira não me foi retirada em permanência nem para todo o sempre, até porque a Comissão já mudou e esta Comissão se calhar não é tão feérica nem tão desesperada como era a outra, mas agora sou eu que tenho de pedir o direito de ter outra vez carteira e de facto com o andamento da Casa e da Fundação estou numa altura em que, a não ser que precise desesperadamente não vou tratar disso tão cedo. Porque as pequenas coisas que me pedem para fazer no campo do jornalismo ou da comunicação é como comunicadora, é como pessoa e servem como crónicas ou testemunhos ou outra coisa qualquer… Desde que não esteja lá a dizer jornalista já não há problema, o que também é uma ironia completamente idiota, porque se eu estiver a exercer a função de jornalista, se perante o público eu estiver a servir a verdade e depois assinar outra coisa qualquer já me é permitido fazer tudo, escrever tudo, relatar tudo, ser eu a contadora oficial de histórias do que se passa no Parlamento até, se for preciso. E isto é o espelho da idiotice que isto tudo significa, mas eu acho que todo o meu processo foi bastante idiota. O meu processo com a Comissão da Carteira foi muito polido mas para mim bastante idiota e sobretudo muito muito muito muito muito muito muito muito (e eu disse mesmo estas vezes todas) hipócrita.

FL – Sentes falta nesta altura dessa parte de jornalismo que neste momento não exerces?

MPC – Sinto falta de… Na comunicação em geral sinto falta dos directos. Sinto falta de fazer coisas em directo. Ao longo da vida vou sentindo falta de coisas diferentes, o que é muito bom porque me permite ir variando. Sinto falta de fazer rádio em directo, de fazer televisão em directo e isso implicava jornalismo muitas vezes. Às vezes mais na posição de entrevistadora, outras vezes mais na posição de pivot ou na posição de repórter e as últimas vezes que eu me chamei jornalista foi na posição de repórter quando fui para a TSF fazer a expedição na Antártida e depois para a Visão. E isso deu-me um gozo que, quando eu percebi que me estava a dar tanto gozo percebi que me fazia falta. Ou seja, não é uma coisa que eu ande a chorar pelas paredes, é coisa que… há aqui um vazio qualquer, como nós precisarmos de colo e não lhe chamarmos isso, ou precisarmos de beijinhos e não lhe chamarmos isso. Há aqui um vazio qualquer, há aqui qualquer coisa que não está a correr bem mas nós nem percebemos muito bem o que é. E um dia alguém nos dá um abraço, ou alguém nos pega ao colo ou nos dá beijinhos e a gente “eh, isto fazia-me tanta falta”.

Sair como repórter, contar histórias de uma aventura, para mim foi muito revelador daquilo que me fazia falta naquela altura. O que eu acho é que a ausência do jornalismo na minha vida não muda em muito a minha postura na vida. A minha postura não tem mudado muito ao longo dos anos, a minha posição perante as coisas, a maneira de intervir com elas é que tem sido diferente. Mas eu gosto deste lado de em vez de estar a relatar estar a intervir, que como jornalista é mais difícil, porque é mais perigoso e gosto de poder prevaricar de vez em quando. Acho é que, não para toda a gente, embora muitas pessoas se se dessem ao trabalho ou à coragem de pensar nisso seriam mais felizes, mas para mim é muito importante não fazer só uma coisa na vida. É importante ir atrás daquilo que sinto que é o momento da minha vida naquela altura. Por isso é que tenho feito tantas coisas tão diferentes.

Quando estou na Fundação e já houve períodos em que não fiz mais nada começo a sentir a falta. Não é de uma coisa específica, é de fazer outra coisa. Porque aqui estou a trabalhar na pedinchice, no cravanço, no desbloquear, no lutar contra o sistema, no assistir, no ter ideias para fazer dinheiro e a empurrar a bola e há alturas em que tenho um lado profundamente egoísta que diz “eh pá, era tão bom agora fazer qualquer coisa minha”, porque me prendo muito mais a mim própria a fazer estas coisas todas. Nem sempre há a altura certa no momento certo, nem sempre há oportunidades, já houve: estive a fazer um programa sobre ambiente, depois fiz uma peça de teatro, depois faço umas mini participações numas séries mas isso é o suficiente, são uns balões de oxigénio que entram directos para a veia e que me ajudam.

FL – E qual é o papel do teatro nisso tudo?

MPC – O teatro é o meu amante porque é uma coisa a que eu resisto pouco. Até já houve uma peça que eu fiz que não era maravilhosa, que eu não ia ou não me sentia a ir maravilhosamente bem mas que não resisti. É um prazer enorme, o palco dá-me um enorme prazer e o teatro dá-me uma sensação de completo que é muito rara, uma sensação de absoluto, de não existir mais nada, de aquilo ser o momento cheio. Os momentos são assim umas bolas de sabão que têm luzes, têm lados negros, mas nunca estão completamente cheios. No teatro eu sinto-me uma bola de sabão completamente cheia, não há nem mais um furinho para pôr mais nada. Estou toda eu ali.

FL – Como é que descobriste o teatro?

MPC – Não, eu fui foi descobrindo outras coisas… O teatro para mim nunca foi uma dúvida sequer, não lembro de não querer fazer teatro. A primeira coisa que eu quis ser na vida, quando era muito pequenina era tratadora de cavalos. As pessoas diziam-me “ah, queres ter uma escola quando fores grande e seres professora de cavalos” e eu “não, não, quero ser tratadora, quero ir para a cavalariça e tratar deles”. Mas era de facto muito pequenina. A minha família andava a cavalo numa escola de equitação e ainda era muito pequenina, ia lá só por graça, passava lá umas horas enquanto eles estavam a andar, punham-me em cima dos cavalos deles, faço hoje em dia exactamente a mesma coisa hoje em dia com os meus filhos, e eu amava aquilo e não tinha a menor dúvida.

A partir da primária nunca mais quis outra coisa a não ser fazer teatro. “Vou ser actriz”. Eu acho que as pessoas não vão ser actrizes, ou são ou não são. Mas eu tinha essa frase. As pessoas perguntavam-me “o que é que queres ser quando fores grande?” e eu não tinha a menor das dúvidas e fui fazendo pequenas coisas sempre que me iam aparecendo, escrevi imenso, na primária, quando ainda não tinha qualquer tipo de pele de cebola à minha volta. Escrevia, encenava, fazia aquilo tudo. Por acaso é muito engraçado porque a minha turma da primária tinha uma série de gente que está hoje muito activa numa série de meios criativos e uma dessa pessoas era a Teresa Villaverde e nós montávamos imensas peças juntas, escrevíamos e depois encenávamos. Quando a Teresa começou a trabalhar mais reconhecidamente no cinema achei imensa graça porque pensei “que engraçado, ela foi mesmo por ali fora”…

FL – O cinema também experimentaste…

MPC – Mas menos e tenho pena. Adorava experimentar mais cinema a sério, fazer uma longa-metragem com cabeça, tronco e membros. O que eu acho que é pena (para mim, nem sequer é para os outros) o que é irónico nisto tudo é que eu nem sequer sou uma actriz por aí além. Mas aquilo é muito bom, é como tu seres gordo e comeres chocolate porque é bom. Eu não tenho esse problema mas tenho este outro que é: eu não sou uma actriz por aí além, mas amo aquilo como não amo mais nada e portanto ‘bora lá!

FL – E seria para ti interessante ir filmar, fazer um filme sobre uma peça de teatro, que envolvesse jornalistas na Antártida ou no Butão?

MPC – No Butão sim. O Butão é um… O Butão eu não sei o que é porque eu nunca lá estive mas sei que é uma obsessão minha, é um sonho absoluto.

FL – Faz parte de ti?...

MPC – Faz parte de mim há muitos anos também, mas há menos. Eu não tinha bem a noção, sabia que havia um país chamado Butão, não tinha mais ideia nenhuma sobre ele e houve uma vez, há muitos muitos anos, há mais de dez, que eu li um descritivo de uma viagem ao Butão. Da escalada, da parte em que se ia a pé, da parte em que se ia de burro, e depois do que aquilo era, da experiência que era lá estar. Fiquei enfeitiçada, fiquei literalmente enfeitiçada até hoje, ainda não se quebrou o feitiço porque eu ainda não fui lá. Entretanto já conheci pessoas que lá foram, já li imensas coisas, já vi livros e revistas, já ouvi as descrições da primeira expedição que entrou no Butão, a expedição do Megre que deve ter sido horrível para eles porque entraram por ali uma data de jipes, nunca tinham entrado carros naquela zona, deve ter sido muito violento ou muito violentador, mas foi um marco na história de ambos. Eu já ouvi histórias de pessoas que fizeram essa viagem e já ouvi até pessoas que vieram muito desalentadas do Butão, pessoas que acham que aquilo é assim uma Suiça tibetana, que todo aquele sistema político é horrível, já ouvi imensas desilusões sobre o Butão.

Também tenho isto assim com o Vietname embora, desde pequenina, o único sítio onde eu dizia quando perguntavam onde queria ir era “subir o Machu Picchu”. Devo ter sido inca numa vida qualquer, de certeza absoluta. Devo ter ouvido isto numa conversa de crescidos qualquer, alguém que lá foi, alguém que estava a dizer que lá queria ir, não faço ideia de onde é que vem, sei que não me lembro de não querer subir o Machu Picchu. Que eu ainda também não subi, tenho ainda imensa coisa para fazer.

Tenho assim umas ligações esquisitas a algumas terras. Antes desta fase Butão tive durante anos uma obsessão pelo Vietname, que ainda tenho porque não fui lá, mas não é uma coisa tão obsessiva, agora é uma tristeza. Porquê, porque duas vezes seguidas no espaço de dois anos tive tudo pronto para ir e não fui. Das duas vezes a coisa falhou em cima da hora, da primeira vez ia pela SIC, eu ia entrevistar o Luís de Matos, entrevistá-lo no Vietname. Eu tinha muitos bons contactos no Vietname porque conheci um português que andou a construir barragens lá, que me tinha dado contactos das cidades vietcongues, de um professor francês que vive no meio da selva, que abandonou tudo para ir para lá e faz uma espécie de turismo de habitação, tem ali um mini hotel, uns quartos… Tinha uma data de historinhas, de gente lá, de gente de fora que está lá e portanto estava louca com aquilo. Ia fazer essa reportagem e a SIC não conseguiu seguros para as câmaras e não fomos, abortámos a uma semana de ir.

Dois anos depois, estava na RTP e montámos tudo para ir fazer uma reportagem ao Vietname e ainda foi mais em cima (porque na RTP as coisas são mais lentas), para aí três ou quatro dias antes eles decidiram que não havia dinheiro e que era um gasto muito grande. Era uma reportagem nua e crua, nem sequer tinha um lado mais social, e também não fui. Uns anos mais tarde houve alguém das revistas do Público (já não me lembro que revista era) que tinha “A viagem da minha vida” ou “a viagem dos meus sonhos”, essas rubricas que se pedem às pessoas para escrever. Pediu-me para escrever a “viagem dos meus sonhos” e eu perguntei se podia ser uma viagem que eu ainda não tinha feito. Disseram-me que podia ser o que eu quisesse e então eu descrevi uma viagem minha ao Vietname. Foi uma crónica inteira a contar a minha viagem ao Vietname, o que eu via, por onde eu passava, as pessoas… O meu amigo engenheiro das barragens que estava em Portugal na altura, telefona-me logo, lavado em lágrimas, a dizer “não pode ser verdade, tu viveste lá, tu já lá andaste porque isto é o Vietname puro”. Eu fiquei louca na altura, fiquei um bocadinho passada, nunca mais me esqueci disto mas também nunca mais lá fui. Já fui a muitos sítios mas ainda não fui aos sítios importantes.

FL – Butão e Vietname serão próximas paragens?

MPC – Deveriam ser, se não forem tenho pena.

FL – Com tanta coisa que fazes…

MPC – Não, isso é um mito! Que vou fazendo…

FL - …que vais fazendo, porque não empurras apenas uma bola, vais ajudando outras também. Aliás, não é difícil perceber isso, quem fizer uma pesquisa na Internet descobre coisas interessantíssimas sobre causas que tu apoias, inclusivamente algumas coisas sobre as virtudes da amamentação…

MPC – (risos) Onde tu foste parar. Que maravilha… E isso apareceu numa busca sobre mim?

FL – Uma busca única e simplesmente sobre ti. Não tinha mais nenhuma palavra-chave…

MPC – Não dizia “mama”, nem “leite”, nem “bebés”?...

FL – Absolutamente nada, só Margarida Pinto Correia. Aliás eu recordo um programa teu na RTP onde se falava de “maminhas”, há muitos anos atrás…

MPC - …o Frufru! Deve ter sido a primeira vez que se falou em público de Wonderbra’s e coisas do género. Nós na altura éramos um escândalo. Isto era conversa de meninas.

FL – Na altura estavas, creio eu, a entrevistar o teu patrão na altura, não era?

MPC – O Carlos Barbosa? O Carlos Barbosa não era meu patrão na altura do Frufru… Ah, não, na altura do Frufru já era outra vez. Tinha sido e depois voltou a ser.

FL – Estavas no Correio da Manhã na altura…

MPC – Já não estava na CMR, estava já na Comercial. Ou seja, quando eu fui fazer o 24 Horas e depois do 24 Horas o Jornal do fim-de-semana, (para quem ainda não tinha nascido o 24 Horas não era um jornal, era Telejornal da meia-noite da RTP, era o último jornal da RTP, que eu fiz durante um ano e meio, depois fiz durante mais um ano o jornal de fim de semana). Nessa altura saí da CMR, houve ali um período sem rádio que foi estranhíssimo para mim, foi muito duro, e em 94 saí da Informação da RTP para ir fazer o Frufru para a RTP, mas era produção externa. Tinha lá um grande amigo dentro da RTP que não gostava nada de mim e que assim que me viu com vontade de fazer o Frufru disse logo “então o melhor é ir-se embora, porque depois nunca mais vai fazer informação” e tinha toda a razão, nunca mais fiz informação pura e crua. Porque quando nós animamos o boneco depois é muito difícil voltar a ter só duas dimensões, e o Frufru animou o boneco.

Isto para te dizer que, como saí da RTP (onde estava só a recibos verdes), como saí da regularidade da RTP e fui fazer o Frufru, tive mais tempo e tive também capacidade e o Carlos Barbosa tinha acabado de comprar a Rádio Comercial que era ainda toda antiga, em termos técnicos e de pessoal e ele desafiou-me a mim para ir fazer as manhãs. Nós dizíamos que era o single do LP, que aquilo que havia de ser a Comercial era aquilo que nós íamos fazer de manhã, mas o resto do dia era todo antigo, não havia projecto. Hoje em dia era impossível fazer uma rádio assim. Eu escolhi uma equipa de cinco pessoas e fomos os cinco para a Rádio Comercial e andávamos lá com bobines e a disparar cassetes, cartuchos e era muito engraçado.

FL – Essa ligação também te leva ao ACP, por exemplo…

MPC – Eu costumava dizer que era uma barbosette, porque trabalhava na altura na Correio da Manhã Rádio e depois fui trabalhar para a Marie Claire, porque fazia o programa de rádio da Marie Claire e a Marie Claire também era do Carlos Barbosa e depois estive envolvida com o projecto de televisão (que nunca aconteceu) que era a TV1. Quando houve a candidatura das várias antenas de televisão, das várias frequências, o Carlos Barbosa, juntamente com o Proença de Carvalho apresentou o projecto, ainda com a Maria Elisa e uma data de gente que me incluía a mim também, que era a TV1. Portanto eu era uma barbosette absoluta porque em todas as coisas do Carlos Barbosa eu estava envolvida. Muitos anos mais tarde, quando ele se candidatou ao ACP, veio-me perguntar se eu queria ir para a direcção para fazer um pouco aquilo que estou a fazer na vida, ter o lado da preocupação social, como é que o Clube podia ter um lado social e é isso que temos tentado desenvolver.

FL – Mas volto ao mito de fazeres muitas coisas para te perguntar como é que, com uma vida ocupada e com uma dispersão por várias entidades, porque uma coisa é trabalhar muito tempo num único projecto outra é em vários ao mesmo tempo, (e isto não é bem uma rasteira mas julgo já saber a resposta) onde é que vais buscar essa capacidade para conseguir coordenar essas coisas todas?

MPC – Não sei se sabes a resposta…

FL – Talvez saiba uma parte da resposta.

MPC – A capacidade para coordenar? Ao prazer, eu vou buscar quase tudo ao prazer. Acho que não era bem isto que tu tinhas em mente para resposta…

FL – Também era mas…

MPC – À vontade, ao prazer. A vontade de coordenar é uma coisa que se pode desenvolver ao longo da vida, claro, e melhorar, mas que nasce um bocadinho connosco. Como te disse há bocadinho em relação ao teatro eu inventava peças, fazia e montava… Portanto eu sempre me lembro de mim (e devia ser insuportável) a empurrar grupos, a coordenar grupos. Mas, tentando pôr-me de fora, não me lembro de mim muito mandona, a chefe de grupo nunca. Mas sempre dei comigo, mesmo quando não queria, mesmo mais tarde, quando tinha mais consciência disso, em trabalhos de grupo e coisas desse género a dizer “agora não vou eu liderar isto, eu vou ser capaz, vá!” e às tantas se a coisa não avança eu não resisto e começo eu a empurrar porque acho que as coisas têm mais é que avançar, temos imenso caminho para fazer, temos pouco tempo aqui… Onde é que eu vou buscar a capacidade? Não sei muito bem, vou buscar uma série de estímulos que tive desde que nasci, de genes que tenho. Quer o meu pai quer a minha mãe eram pessoas super activas, multifacetadas, coordenadoras, líderes, empurradores de bolas, portanto a coisa também vem um bocadinho dali.

FL – E espiritualmente?

MPC – Espiritualmente vou buscar às estrelas (risos). Vou buscar um bocado a todo o lado. Há uma coisa que me ajuda imenso nisto tudo que é o Chi Kung e que as pessoas que são verdadeiramente sérias no seguimento de uma qualquer arte oriental e de reposição de energias, são pessoas que conseguem fazer sempre e que conseguem fazer um bocadinho todos os dias. Eu não sou nada disciplinada nessas coisas e portanto não faço assim tanto, não faço tão regularmente como gostava, o que quer dizer que lhe sinto a falta. Mas os anos em que fiz à seria, regularmente, com um mestre, a fazer sessões, deram-me uma série de ferramentas para aplicar permanentemente. Eu aplico o Chi Kung à minha vida e toda a reposição de energias e relativização das coisas e dos dramas sobretudo, em todos os momentos da minha vida, no carro, sentada na bicha eu faço Chi Kung. Numa reunião eu faço Chi Kung e as outras pessoas não me têm de estar ali a ver a fazer uns gestos e umas coisas, é uma questão de respiração, de interiorização, de organização interior e isso eu tenho uma gratidão enorme em relação a ter aprendido e a ter incorporado, mas gostava de fazer muito mais. Acho é que era uma coisa que eu já tinha (isto parece uma conversa um bocadinho tonta, mas pronto), mas acho que tinha imenso, ou não sabia, não tratava pelo nome e não sabia dar azo, uma ligação enorme a tudo, ao universo.

De facto sinto-me muito ligada e quanto mais presto atenção mais me divirto, porque o universo é um jogo muito divertido e se a gente dá atenção as coisas depois batem certo, mesmo as coisas horríveis e as coisas dramáticas e as coisas que nos custam muito. Portanto, provavelmente tudo isto me ajudou a ir cimentando e a ir tendo força e estrutura para coordenar. Mas isto é recente na minha vida, antes era intuitivo, não lhe dava nomes nem o organizava e a vida ia indo e eu nem sequer sabia o que era. Só dou por isso agora à posteriori, porque o Chi Kung só entrou na minha vida na minha última gravidez, há cinco anos atrás.

FL – E aos 40 anos és uma mulher… sei que não posso dizer realizada porque te faltam realizar muitas coisas, mas que já realizou parte das coisas que gostava?

MPC – Olha, eu tenho um problema. Faltam-me dois chips, da composição humana normal das pessoas. Se calhar tenho uns a mais e até me faltam outros mas que eu dê por eles há dois chips que me faltam e um deles é o da ambição. E isto é tramado porque, como tenho alguma exposição e em alturas em que tenho de fazer coisas públicas, teatro, televisão, tenho mais exposição, outras alturas tenho menos, sou casada com uma pessoa muito pública, portanto também tenho exposição por aí… Os entrevistadores normalmente acham muito estranho que eu não consiga dizer qual é a minha ambição, qual é o meu sonho… Porque eu, de facto nunca tive ambições concretas, não tive mesmo. Quer dizer, tenho esta coisa dos sonhos, quero ir ao Butão absolutamente, quero subir o Machu Picchu, quero atravessar o Vietname, mas isso não é propriamente uma coisa de ambição, é uma coisa de desejo, de sonho. Depois, toda a vida queria fazer teatro sim, mas fui fazendo.

A minha formação superior é de Relações Internacionais porque eu ia trabalhar no mundo diplomático, ia fazer política internacional, ia ser provavelmente uma maravilhosa diplomata (achava eu) mas nunca tive aquela coisa de “eu quero ir para a ONU” ou “eu quero fazer não sei o quê”, “eu quero chegar a uma posição em Paris”, quer dizer, nunca em nenhum sítio onde estive e já estive a fazer coisas muito diferentes na vida, isso até me afastou de uma série de coisas na rádio, na televisão, porque eu não lutei por lugares, nunca. Não é isso que me move, de facto, e isso às vezes funciona contra mim, como é óbvio, porque independentemente de eu lutar por eles ou não podem ser-me ou não apetecíveis e podem ou não ser sítios onde eu gostava de estar. E já me aconteceu ver pessoas chegar a sítios onde eu percebo que gostava de estar nessa altura. Também já me aconteceu fazer propostas de programas que depois vejo outros a fazer, portanto estou um bocadinho habituada. Mas não sou propriamente a vítima, não se pode dizer que eu não ande a fazer coisas.

Esta coisa de me faltar o chip da ambição não me permite depois dizer se sou realizada ou se já fiz metade das coisas que achava que devia fazer na vida. Acho sempre um bocadinho deprimente fazer balanços, porque a gente faz balanços e depois “que é isto, já estamos em qualquer fase menos activa?”. Posso dar-me ao luxo é de olhar para trás e pensar “não gostei disto”, “gostei daquilo”, “foi bestial ter feito aquelas coisas todas”. Houve uma série de coisas ao meu nível mais heróico, porque tinha uma total independência, vivia sozinha, tinha vagamente uns namorados mas não vivia com eles, não tinha filhos… (“vagamente uns namorados” parece uma coisa um bocado leviana e eu de facto não tive assim tantos namorados ao longo da vida, portanto deixa-me cá repor isto) mas não vivia com eles e quando tive um projecto familiar abrandei imenso nas outras coisas todas porque antes eu conjugava o verbo ir com uma enorme simplicidade, para além de com uma enorme assiduidade. Nada dependia de mim, o resto da minha família era toda saudável, não há ninguém que esteja dependente de mim e eu não tinha família dependente nem um núcleo familiar e a única pessoa com quem vivi antes do meu casamento (tive um namorado com quem vivi cinco anos) era uma pessoa muito mais independente e muito mais isolada do que eu portanto eu até andava era a reboque dele, das coisas dele, mas porque não tinha mais nada e podia ir. Ele era piloto, andava pelo mundo a fazer corridas e eu ia e achava aquilo maravilhoso. Não tinha qualquer problema, ia para uma reportagem aqui, ia para uma reportagem ali e hoje em dia ir para uma reportagem, mesmo para estas coisas que me atravessaram a vida, com a Antártida e depois com o Dakar…

Tive imensos problemas porque o ano passado fiz a Antártida no principio de Dezembro e quando cheguei a Portugal fui convidada para fazer o Dakar e partia dia 31 de Dezembro. Eu pensei “não posso estar cá três semanas e ir-me embora outra vez”, já não é só a Fundação, é a minha família, esquecem-se da minha cara… Eles já não me vêem muito, agora saio assim às duas semanas de cada vez isto começa a ser complicado. Mas por outro lado também acho que, com conta peso e medida, se tu ficas em deficit, ficas a pensar que devias ter feito, quando são oportunidades destas, que são únicas na vida, não é propriamente ir ao Buçaco fazer não sei o quê, ir à Antártida é brutal, ir atravessar África a acompanhar o Dakar é brutal, e são coisas que, de cada vez me mudam profundamente, me abalam profundamente, mas eu gosto de ser abalada…

FL – Então vamos para a última pergunta, a mais importante de todas. Qual é o tipo de figos que gostas mais?

MPC – Isto também vinha na net?

FL – Acho que não, mas há coisas que se vão investigando.

MPC – Eu sou louca por figos. É que eu amo figos. Ok, eu amo teatro, está bem, não posso comparar, mas os figos… Sabes aquela coisa… Eh pá, é mesmo bom… Pronto, tiraste-me do sério agora. É porque figos é a única fruta que só há em algumas alturas do ano, só há aqueles figos de Julho, princípio de Agosto e depois só lá para o princípio de Setembro. E isso é maravilhoso, porque não tens o ano inteiro, nem de estufa, não há figueiras de estufa, não há de outros países, é nosso e aquilo é… Eu não conheço coisa mais sensual que o figo. Eu não posso dizer que é afrodisíaco porque essa coisa do afrodisíaco depende muito do nosso estado de alma, porque um papel em branco pode ser afrodisíaco se nós estivermos mortinhos por que seja afrodisíaco. Eu como muitos figos divertida com os meus filhos que também adoram figos, porque, vá lá, nalguma coisa tinham de sair a mim e não fico ali morta de “afrodisíasmo”… Mas acho que é lascivo, mas que é uma lascívia muito boa.

Figo é mesmo uma coisa boa e depois aquele cheiro, quando tu passas num campo com figueiras… Eu sou muito sensível à luz e ao cheiro, às luzes. Eu tenho uma coisa muito engraçada com a minha mãe que é, desde que saí de casa, desde que sou mais ou menos independente e saí de casa muito cedo, que todos os anos, a primeira a ver uma amendoeira em flor telefona à outra.
Temos esta competição e às vezes é em Janeiro. A minha mãe escreve-me cartas “fui eu que vi na estrada de não-sei-quê”, que a minha mãe ainda escreve cartas à antiga. Há assim umas coisas na vida que eu não quero nunca perder, que adorava conseguir passar aos meus filhos e tenho medo de não conseguir. Estas são as minhas grandes preocupações nas bases da educação deles, não é o resto, que o resto vem sempre. Aquele cheiro das figueiras é uma coisa única. Obrigada por este bocadinho…
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Livro

MPC – Os livros do Sepúlveda mexem à brava comigo. Eu gosto de livros que me façam chorar. (…) Este ano estive sem carta dois meses porque fui apanhada ao telemóvel e tiraram-me a carta e então, como moro em Sintra, andei de comboio. Li imenso, que é uma coisa maravilhosa. Naqueles dois meses li mais do que no ano inteiro e dava comigo às vezes a ler e a ter aqueles soluços internos que nós temos às vezes quando está quase a chorar mas não é bem a chorar… De óculos escuros, com as lágrimas ao canto dos olhos, que vergonha mas estou-me a lixar porque é maravilhoso. Gosto imenso de livros que façam isso em mim, às vezes basta um textinho, às vezes basta ler uma coisa numa crónica num jornal… E de facto o Sepúlveda tem muito essa acção sobre mim. Ou coisas que me façam sorrir, deliciada. O primeiro livro do Sepúlveda que eu li foi “O velho que lia romances de amor”.

Gostava de lutar para que as pessoas no mundo não passassem pela vida sem ler Sophia de Mello Breyner e Luís Sepúlveda. Acho que era uma coisa que era importante para elas. Aos meus filhos leio-lhes eu Sophia de Mello Breyner e é muito engraçado porque eles são muito activos e às vezes parecem distraídos enquanto eu estou a ler, eu continuo a ler e os bocadinhos das histórias da Sophia vêm ter comigo várias vezes. Já vinha da minha infância, já vinham de eu descobrir a Sophia com a minha mãe e acho que é muito importante pôr os meninos a ler “A menina do mar”, pôr os pais a lerem-lhes “A fada Oriana”, começar por aí e depois ir por aí fora e deixarem-se levar. O Luís Sepúlveda, acho que uma boa maneira de entrar nele é “O velho que lia romances de amor” porque, de facto é uma delícia de um livro.

(“O velho que lia romances de amor” de Luís Sepúlveda, está editado pela ASA na colecção “Pequenos prazeres”)

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Disco

MPC – A música em minha casa é muito mais bocadinhos de vida do que propriamente uma coisa audível. Música audível em minha casa sou eu, não é o Luís (Represas) e quem cantou aos meus filhos desde que eles nasceram, coitadinhos, fui eu. Os quatro me ouviram cantar desde que eram muito pequeninos e os quatro perceberam que se cantava em todo o momento da vida por causa de mim, porque o Luís não canta em casa, só canta profissionalmente. Às vezes tem coisas deliciosas, senta-se com a guitarra ao fim da noite com os miúdos, eles cantam e ele toca. Mas são assim umas pérolas.

Escolher um disco da vida inteira é muito difícil mas, mais uma vez, eu gostava que pelo menos os portugueses não passassem pela vida sem ouvir Jorge Palma. Como o Jorge Palma não é óbvio e tem muitas nuances ao longo da vida dele, felizmente, eu diria para as pessoas procurarem o “Só”, que foi um disco que ele fez acompanhado por ele próprio ao piano, são versões muito puras de canções da carreira dele até essa altura. O disco saiu para aí em 89, eu estava na CMR na altura e lembro-me que lhe fiz uma entrevista muito gira, por causa desse disco e é lindo. Portanto acho que não recomendaria um disco de agora, porque os discos de agora têm a promoção deles e eles estão à vista nas lojas.

Tenho outros discos na minha vida: o “Transformer” do Lou Reed é um deles e acho que é mesmo um dos melhores discos do mundo, de sempre, e o “Harvest” do Neil Young também e depois muitas outras coisas. Tenho muitas coisas que adoro, mas o “Só” do Jorge Palma é bom.

(“Só” de Jorge Palma foi gravado em 1991 e editado pela Poligram, actualmente Universal Music)

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