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Diana Mendonça | ||
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FL - Começando com uma pergunta a propósito do teu último livro “Espero por ti em Paris”, será que toda a escrita é, no fundo, minimamente autobiográfica? DM - Depende da perspectiva, mas eu acho que sim. O autor, mesmo sem se aperceber, acaba por transferir sensações ou situações que conhece para o livro. Ou então, quando as personagens estão realmente bem criadas, passam a fazer parte de nós e aí, sem nos apercebermos, vão buscar coisas que são nossas. É sempre autobiográfico, há sempre um acontecimento qualquer que despoletou qualquer coisa, uma conversa que ouvimos que faz com que tenhamos outra ideia. Não tem de ser tão autobiográfico como no fundo foi o “Espero por ti em Paris”, porque partiu de uma coisa real, mas há sempre um bocadinho do autor em cada livro. FL - Mesmo num livro de cozinha? |
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DM - Mais um, precisamente. Esta série está a correr muito bem, está a ter uma aceitação melhor do que eu estava à espera, sobretudo por parte da crítica. Estes dois livros ganharam três prémios internacionais o que foi muito gratificante, porque a verdade é que eu não estava mesmo à espera e ainda por cima foram os meus primeiros livros. Não era uma coisa que eu tivesse pensado fazer, escrever sobre gastronomia, mas está a correr muito bem e isso também me deu vontade de fazer outro. FL - Quando é que descobriste que querias que a tua vida fosse ligada à escrita? DM - Eu sei perfeitamente quando é que decidi que queria ser escritora: tinha sete anos e andava na primeira ou segunda classe e, na minha escola, havia umas almofadas no chão, uma biblioteca baixinha que se chamava “o cantinho da leitura”. E enquanto as minhas colegas iam para o pátio brincar no intervalo, eu ficava a ler, porque descobri um livro da Luísa Ducla Soares que se chama “Poemas da mentira e da verdade”. Na altura era um livro com umas ilustrações a verde e cinzento, nem sequer tinha capa dura, nem sequer era muito apelativo para crianças, por isso ninguém pegava nele. Descobri-o eu, fiquei completamente fascinada e lembro-me perfeitamente de estar no chão a pensar “quando eu for grande quero fazer isto, eu quero fazer com que as pessoas como eu tenham tanto gosto a ler um livro”. Entretanto conheci a Luísa Ducla Soares, há uns quatro ou cinco anos e estivemos a tarde toda à conversa. Foi dos dias mais felizes, poder dizer “foi graças à sua obra que eu tenho tanto gosto naquilo que faço”. |
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FL - Actualmente, os teus dias são exclusivamente dedicados à escrita… DM - Exclusivamente. Felizmente, foi uma aposta arriscada porque é uma coisa complicada de se fazer mas neste momento já começo a ver que vale a pena e estou muito satisfeita com a decisão que tomei de ficar em casa a escrever. É preciso muita disciplina, mas vale muito a pena. FL - Voltando a “Espero por ti em Paris”, é um livro relativamente leve?! DM - Leve, mesmo (risos). Mas ideia é essa e o que eu estou a achar muito giro é ver que isto toca muito os leitores, porque com os meus livros de gastronomia eu habituei-me a lidar com a crítica, o que é óptimo. Pegar num jornal ou ir à Internet e ver uma crítica excelente ao meu livro, mas o que eu estou a ver agora com este livro é o feedback dos leitores. Era uma coisa a que não estava habituada e eu recebo imensos emails de leitores sobre o que é que acharam do fim das personagens, ou porque queriam uma continuação para que acontecesse qualquer coisa diferente… Ou então a dizerem que leram o livro numa noite e o livro de facto é leve, nesse aspecto, permite uma leitura rápida. Parece-me que é isso que as pessoas procuram, uma distracção da rotina do dia-a-dia. FL - A pergunta ia no sentido de falarmos sobre o panorama da escrita em Portugal. Há mais pessoas a ler mais livros (que talvez não sejam os livros que alguns gostariam que fossem mais lidos) mas que vão de encontro ao que as pessoas querem… DM - Eu sinto isso como autora, porque um escritor quando está a escrever não está a pensar no leitor, mas quando o manuscrito está acabado é preciso pensar no leitor, porque o mercado literário é um mercado, é um negócio como outro qualquer e as pessoas têm de fazer uma vida disto, não se escreve só porque sim. De facto é preciso que os livros vendam, mas eu continuo a defender que, com o boom da literatura light, é verdade que as pessoas começaram a ler e eu acredito (não toda gente mas) algumas das pessoas que começaram a ler por aí aos poucos podem ir passando para outro tipo de literatura porque vão descobrindo o prazer de estar a ler. É como quando aprendemos a ler: não aprendemos uma palavra grande e complicada, aprendemos a juntar umas letras e umas sílabas e daí passamos para o resto. O problema de algumas pessoas não gostarem de ler é ainda não terem descoberto o livro certo, a história que lhes toque, aquilo que lhes faça mesmo ter prazer com o livro, é só uma questão de continuar à procura. Por isso haverá muita gente que vai passar de uma literatura mais levezinha para uma, como estavas a dizer hà bocado, que os críticos acham que é melhor. |
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FL - As tuas perspectivas quais são, por onde é que queres ir, o que é que tens guardado para edição? DM - Aquilo que eu pensava inicialmente era o romance, as receitas surgiram por acaso mas é uma coisa que me dá muito prazer. Este “Espero por ti em Paris” está a pedir uma saga, (quanto mais não seja os leitores estão a pedir), mas eu gostava de levar os leitores comigo numa evolução de estilo literário. Fazer uma coisa um pouco mais comprida, um pouco mais complicada, um pouco mais séria. Este é um livro muito levezinho para pôr as pessoas a sonhar e apetece-me falar de outros temas um pouco mais complexos. FL - Ponderas uma continuação deste livro? DM - Eu penso que sim, pelo menos se é isso que o público quer, porque não? FL - Enquanto lia o livro recordei-me do filme “Antes do amanhecer”... Uma continuação dez anos depois? |
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FL - A escrita a dois não é um processo fácil… DM - É quase impossível, porque a escrita é um processo muito solitário. Este livro partiu de duas personagens, que não estavam juntas e o que fizemos foi o David encarregar-se da personagem masculina e eu da personagem feminina e depois juntávamos. Escrevíamos cartas um ao outro (o livro tem muita parte epistolar), juntávamos, líamos as cartas, as respostas, o desfecho pensávamos a dois, mas, no fundo, acabava por ser um trabalho um pouco solitário e quando o trabalho estava feito é que nos juntávamos para conseguir dar um pouco de concisão ás coisas que os dois tínhamos feito separadamente. Para além disso, o David e eu temos uma maneira de pensar muito semelhante e uma maneira de trabalhar igual e isso facilitou muito o trabalho. Mas, sinceramente, não me parece que mais alguma vez vá escrever um livro a meias com outra pessoa, porque os livros são um processo solitário, não se escrevem a meias. FL - Deixamos os livros de parte para falarmos de comida. Há uns anos atrás, segundo sei, não eras muito dada à cozinha… |
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Então resolvi ir aprender a cozinhar mesmo, porque achei que aquilo era uma vergonha e depois descobri que era uma coisa que eu gostava imenso, que me dava muito gozo, uma paixão que eu descobri naquela altura e a partir daí a pessoa vai evoluindo. Vai vendo umas coisas na televisão, vai comprando uns livros e é como todas as coisas de que se gosta, vai-se informando cada vez mais, vai tentando, vai errando e depois, eventualmente aprende e hoje em dia acho que aprende muito bem, até (risos) … | ||
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FL - Alguma receita preferida? DM - Eu gosto de tudo o que leve açúcar, por isso qualquer doce. Eu vivi em Nice, perto do Mónaco e havia um restaurante que tinha um prato que se chama Mélo Chocolat, que é um queque de chocolate, mole por dentro. Para além do recheio de chocolate que não chegou a cozer tinha uma coisa que eles chamavam um coração de baunilha e trufas e era tudo regado com caramelo de trufas, que era tão bom, tão bom! Na altura, com dezanove ou vinte anos, não tinha muito dinheiro para ir comer fora todos os dias e então ia ao restaurante só para comer a sobremesa. O dono do resturante já me conhecia e eu ia à praia, passava por lá, pedia a sobremesa e eles punham a sobremesa ainda dentro dos aros de ir ao forno, punham tudo dentro de uma caixa de cartão e escreviam quanto tempo é que tinha de estar no forno e o termóstato, levava para casa, cozinhava aquilo e no dia seguinte devolvia o aro de metal. Fazia isso dia sim dia não. |
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Livro | ||
DM - O livro terei de escolher, sem dúvida, o “Ensaio sobre a cegueira” do José Saramago, que é a coisa mais brilhante que eu alguma vez li. Um pormenor que eu nunca vi em mais nenhum livro e que as pessoas não reparam, porque a escrita está mesmo óptima: é o facto das personagens não terem nome. Nenhuma das personagens tem nome e não precisam ter, porque nós sabemos perfeitamente quem é quem, quem sente o quê, quem pensa o quê e começamos a antecipar o que as pessoas vão fazer, porque as personagens estão mesmo bem construídas. A história é excelente, eu passei o livro aflita porque nunca mais chegava ao fim, porque a história é sobre o país e o mundo que cega e há uma pessoa que não cega. |
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Disco | ||
DM - Eu gosto muito de ópera e, por isso, eu teria de dizer “A Flauta Mágica” de Mozart, que é uma ópera em alemão. O que eu acho mais fantástico na ópera é que não é preciso perceber o que está a ser dito para se conseguir perceber o que os personagens estão a tentar transmitir. Gosto também muito da “Turandot”, do Puccini, que é em italiano e mais fácil de perceber e que é uma história extremamente romântica, extremamente ternurenta e que me toca imenso. | ||
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Links úteis: |
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Agradecimentos: Biblioteca Municipal de Cascais (Casa da Horta) pela cedência do espaço para a sessão fotográfica. |
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